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O acordo de não persecução penal em matéria tributária

O acordo de não persecução penal, introduzido no Código de Processo Penal brasileiro em dezembro de 2019

Autor: Rafael Mallmann e Isadora FingermannFonte: Os Autores

O acordo de não persecução penal, introduzido no Código de Processo Penal brasileiro em dezembro de 2019, completou em janeiro seu primeiro ano de vigência e já é causa de relevantes debates jurídicos. De acordo com o novo instrumento consensual penal, o Ministério Público pode agora deixar de oferecer denúncia em relação a fatos cometidos sem violência ou grave ameaça, desde que o tipo penal correspondente preveja pena mínima inferior a quatro anos.

Acordadas e cumpridas as condições impostas pelo MP, e desde que o investigado ou investigada confesse a prática de infração penal, é extinta a punibilidade do agente, sem que o referido acordo seja considerado maus antecedentes criminais.

Entre as condições que o MP pode impor à parte contrária na negociação do acordo, aplicáveis alternativa ou cumulativamente, destacam-se as mais usuais: a reparação do dano, a renúncia de bens provenientes da conduta supostamente criminosa, a prestação de serviços à comunidade e o pagamento de prestações pecuniárias.

Nos crimes tributários, no entanto, condicionar a aplicação do acordo de não persecução penal à reparação do dano causa perplexidade. Para acusações de efetiva supressão de tributos, a persecução penal não pode começar sem a correlata inscrição do débito em dívida ativa. Também, o pagamento integral do débito é causa de extinção da punibilidade criminal do investigado ou investigada e, para tanto, não se exige confissão, nem tampouco o cumprimento de qualquer outra condição.

Sendo assim, não é difícil concluir que uma empresária ou empresário eventualmente investigado por sonegação fiscal, na berlinda de se tornar ré(u) em ação penal, opte por pagar o tributo e extinguir sua punibilidade antes de cogitar negociar um acordo de não persecução penal com o MP, para o qual teria necessariamente que confessar o ilícito, gerando reflexos em outras esferas do direito.

O tema é controverso, e a melhor forma para estimular a aplicabilidade do novo instituto em matéria tributária é excluir a condição de reparação do dano ao erário como sua condição.

Alternativamente, o MP tem proposto o pagamento apenas do tributo suprimido, sem multas e juros, como reparação do dano apta a permitir o acordo de não persecução penal.

Com essa interpretação sistêmica, o investigado ou investigada por crime de sonegação fiscal que desejar evitar um processo penal tem dois caminhos a percorrer. De um lado, é possível pagar integralmente o valor do débito inscrito em dívida ativa, incluídos nesse valor multa e juros incidentes, extinguindo-se a punibilidade penal sem o cumprimento de qualquer outra condição, nem tampouco exigindo-se a confissão do ilícito. De outro lado, é possível negociar com o MP o pagamento do valor do tributo principal como reparação do dano ao erário para fins de acordo de não persecução penal. Nesta segunda hipótese, ainda caberá a discussão relativa à multa e juros na esfera tributária. O pagamento pode ser sensivelmente menor, portanto, mas virá acompanhado de outras condições, como prestação de serviços à comunidade e da correlata confissão.

Merece comemoração buscas por formas consensuais na justiça penal, desde que isso não signifique desonerar a Acusação Pública de trazer aos autos elementos mínimos de materialidade de um crime fiscal com a necessária individualização da conduta de uma pessoa física que tenha contribuído para a prática criminosa.

Caso contrário, seguiremos no terreno da atipicidade ou da responsabilização objetiva em matéria penal, que não podem ser superadas apenas porque há agora solução consensual. Fato é que, tanto antes quanto agora, o direito penal não pode, à revelia de seus princípios básicos, ser utilizado como mero mecanismo arrecadatório do Estado.

*Isadora Fingermann e Rafael Mallmann são sócios de TozziniFreire